o lamento on stage

No Patropi, as coisas são mesmo atrasadas, acostumou-se. Quando o assunto é disponibilização da arte então, tudo é ainda mais atrasado. Por isso mesmo, um cara como Jorge Ben, de discografia fundamental para a compreensão do que é a música brasileira, nunca teve seus álbuns devidamentes colocados no mercado. Agora, finalmente, será lançada a caixa Salve, Jorge!, só com os discos do compositor editados pela Phillips. Genialidade de 1963 a 1976, só discaço.

Mas como ser chato é fundamental, um protesto precisa ser feito. Entendo que o seminal O Bidú – Silêncio no Brooklin, de 1967, tenha ficado fora, já que não consta no catálogo da Phillips. E a questão dos direitos nesse país é um eterno ball and chain. Só não consigo entender como o maravilhoso On Stage não foi incluído na caixa. Esse era o momento para colocar o disco no mercado brasileiro.

Lançado apenas no Japão pela Phillips em 1972, On Stage é um disco ao vivo gravado na terra do sol nascente. Com o tempo, tornou-se objeto de culto. O vinil original é raríssimo, o cd-r é obrigatório. É o grande registro de Jorge Ben em cima de um palco, muito superior ao oficial Jorge Ben à L’Olympia, de 1975, que por sinal, também ficou de fora da caixa.

On Stage é um disco sobrenatural. Jorge Ben e seu incisivo violão, acompanhados “apenas” pelo Trio Mocotó – o grande power-trio da música brasileira –, desfilam o repertório de grandes discos como Força Bruta e o homônimo de 1969 (aquele da capa psicodélica), além de hits anteriores e essenciais como Mas Que Nada e Chove Chuva.

Para destacar somente um momento emblemático: a versão de Charles Jr. Um mantra, em levada ainda mais hipnótica e ligeiramente psicodélica, com Jorge Ben entregue ao coro grave feito pelo Trio Mocotó, que num crescendo harmônico e percussivo, deixa o cantor poderoso para improvisar em frases e riffs de violão. É notório que há um elemento forte do blues na música de Jorge Ben. Aqui, o lamento dá o tom, numa melancolia cheia de força. On Stage mantém uma nuvem carregada até nos momentos mais alegres, há a impressão que o compositor entoa versos como “pois eu nasci de um ventre livre, nasci de um ventre livre no século XX” carregando um peso enorme nos ombros. Não por acaso, em fuga sublime, mergulhou de cabeça no misticismo nas obras-primas imediatamente posteriores. Apesar de não-oficial, On Stage pode ser compreendido com um passo fundamental no percurso de Jorge Ben durante a década de 1970.

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