milton nascimento – discografia 60’s e 70’s

Música é minha comida. Mas há algumas semanas, quando por sinal o blog ficou encalhado, a correria foi tanta que nem ouvir música eu conseguia. Fiquei mais de nove dias sem escutar um disco sequer. E quando pude voltar para ela, saudosa, o primeiro disco que abracei foi um do Milton Nascimento.

Minha relação com o Clube da Esquina sempre foi muito intensa, a música dos mineiros é um dos bons traumas da minha infância. Muito do que eu sou é culpa de coisas como “meu nome é Pablo, como um trator é vermelho, incêndio nos cabelos”. Fiz a discografia comentada do Milton nas décadas de 60 e 70. Por que esse período? É que não ouvi tudo que ele fez nas outras décadas, e nem teria tempo para ouvir com calma agora. De qualquer forma, o essencial de Bituca está nos discos aí embaixo.

Milton Nascimento (1967) 

 

Bela estréia. Uma sofisticada apropriação dos rumos que a música brasileira tomava desde a Bossa Nova. Junto com Jorge Ben, Milton foi um importante ponto de renovação naquela década. Em contraponto ao suíngue de Jorge Ben, Milton apresentava um violão mais minimalista, discreto, mas cheio de deslocamentos rítmicos e harmônicos. Também são poucos compositores que iniciam a carreira com uma música do quilate de Travessia.

Top: Travessia, Crença e Outubro

Milton - Courage Courage (1968)

 

Milton for export. Apesar das figuras maravilhosas em volta (arranjos de Eumir Deodato, participação de Herbie Hancock e Airto Moreira), considero esse disco mais fraco que o anterior. Algumas interpretações estão aquém do original, algo que também acontece no disco norte-americano de Milton lançado em 1976.

Top: Rio Vermelho, Três Pontas, Bridges

Milton - 1969 Milton Nascimento (1969) 

 

É um disco de transição entre a sonoridade do primeiro Milton para a verve mais criativa da década de 70. Um tanto irregular, mas traz pérolas como Beco do Mota e Sentinela, com o violão característico de Milton, muitas vezes genialmente tocado no contratempo da música. A frutífera parceria com Fernando Brant toma conta do disco, mas Pai Grande, só de Milton, é o auge do arrepio na espinha.

Top: Pai Grande, Beco do Mota e Sentinela

Milton - Milton Milton (1970) 

 

O Som Imaginário entra em cena. Psicodélico, lírico, surreal. Obra-prima. Notável a participação criativa do saudoso Zé Rodrix, tocando os instrumentos mais diversos (o que é o órgão tresloucado em Para Lennon & McCartney?). O adolescente Lô Borges também aparece com suas primeiras composições. Todas sensacionais. Outras canções como Amigo, Amiga lembram até o folk psicodélico norte-americano de bandas como o Love.

Top: Para Lennon & McCartney, Clube da Esquina e Amigo, Amiga

Clube da Esquina (1972) 

 

Ainda existe algo para dizer sobre o Clube da Esquina? Ficando apenas com o repertório cantado por Milton, até prefiro o resultado final do disco anterior. Mas é um disco irretocável. A parceria com Márcio Borges, Fernando Brant e Ronaldo Bastos atinge um clímax poético incrível. Não conheço frase mais bonita na música brasileira que “resistindo na boca da noite um gosto de sol”. E, ao contrário de outros grandes discos brasileiros, Clube da Esquina faz bonito perto de qualquer obra-prima lançada em 1972. Harvest, Close to The Edge, Pink Moon

Top: Cais, Nada Será Como Antes e Nuvem Cigana

Milagre dos Peixes (1973) 

 

Em Milagre dos Peixes, boa parte das letras foi censurada. Essa é a explicação para um maravilhoso disco de solfejos, sugestões, de palavras não ditas, de uma agonia ímpar. Se há uma obra que traduz o momento tenebroso que vivia o Brasil, é Milagre dos Peixes. Apesar de subestimado, é o disco mais arrepiante de Milton. Numa das poucas músicas completamente cantadas, a voz infantil de Nico Borges desafina o surrealismo de Pablo. Uma forte experiência sensorial.

Top: Milagre dos Peixes, A Chamada e Carlos, Lucia, Chico, Tiago

Milagre dos Peixes Ao Vivo (1974) 

 

Sinceramente, não sei o que não faz desse disco uma obra-prima. Milton Nascimento e Som Imaginário eram perfeitos, o set é impecável e a gravação é boa, algo não tão comum em discos ao vivo nacionais daquela época. No entanto, as canções ficam melhor resolvidas no estúdio. Milton e cia também parecem um pouco travados nesse registro. As melhores versões são das músicas presentes em Milagre dos Peixes e dos momentos instrumentais.

Top: Sacramento, A Matança do Porco e San Vicente

Minas (1975)

 

Mais uma obra-prima. Um dos discos com o instrumental mais refinado da música brasileira. Talvez seja o melhor exemplo de Rock Progressivo genuinamente nacional, repleto de timbres trabalhados, andamentos quebrados, harmonias vocais, sem a tradicional chupação das sonoridades inglesas. E ainda por cima é cheio de clássicos eternos.

Top: Fé Cega Faca Amolada, Gran Circo e Ponta de Areia

Geraes (1976)

 

Inferior aos lançamentos anteriores, Geraes é um disco que carece de direção. Ao contrário de Minas, forte e coeso, o disco de 1976 oscila muito entre canções inventivas como Fazenda e Viver de Amor e outras menos inspiradas como Caldeira e Circo Marimbondo.

Top: Fazenda, O Que Será (à Flor da Pele) e Viver de Amor

Milton (1976)

 

Também conhecido como Raça, mais uma vez Milton for export. E dessa vez bem irregular. Apesar do groove interessante de Cravo e Canela, músicas como Nada Será Como Antes perdem muito de seu lirismo em inglês.

Top: Francisco, Cravo e Canela e One Coin

Clube da Esquina 2 (1978) 

 

É um disco excessivo. Se fosse simples (é duplo como o Clube da Esquina, mas tem quase 20 minutos a mais), o resultado poderia ser bem melhor. O repertório mais folclórico não está no mesmo nível das canções mais convencionais do repertório de Milton. Mesmo assim, apresenta alguns momentos brilhantes como Nascente, Maria Maria, Tanto e Pão e Areia.

Top: Nascente, Maria Maria e Tanto

Journey to Dawn (1979) 

 

Fecha muito bem a década. É praticamente um compêndio de tudo que Milton fez de melhor nos onze discos anteriores. Também é o seu melhor disco “export”. Dessa vez, as canções em inglês soam adoráveis, mostram que o folk-rock de Milton não deve nada a nenhum grande nome do gênero.

Top: Pablo, Idolatrada, Unencounter